E onde estão os outros cenários?

Parece que o único cenário possível para o Governo é que tudo volte ao normal após a pandemia do COVID-19 e a economia vai ser linda e liberal. Onde estão os outros cenários? Ninguém sabe, ninguém viu.


Detalhe-se um pouco esse cenário, o trabalhado pelo Governo, que tudo vai voltar ao normal. A economia vai andar, o comércio vai reabrir, os serviços vão voltar a ser prestados e a indústria vai produzir, e assim, tudo vai ficar igual era antes. Nesse cenário, as medidas econômicas iniciais voltariam a ser implementadas, como a redução do Estado, a reforma tributária, a privatização da Eletrobrás, a venda dos imóveis públicos...


Outro cenário que pode ser imaginado é que será decretado “lockdown” total e a pandemia nunca vai acabar, ficando todos em casa para sempre, porque as pessoas não se imunizarão do COVID 19. E quais seriam as medidas para fomentar a economia numa hipótese dessas? Obviamente, a criação de uma nova economia para atender às novas necessidades das pessoas. Note você que parece ruim, mas pode não ser... pode ser até melhor, se morrer menos pessoas... ele é só desconhecido.


Acontece que os dois cenários aqui pincelados são muito extremos, e, como toda “rabeira de uma curva gaussiana de densidade de probabilidades”, muito improváveis. É o dilema: “vidas sem empregos ou empregos sem vidas”.


O primeiro, mais que improvável, é um cenário impossível, porque a vida que se foi não volta e isso reflete na economia. O Governo erra a premissa, e consequentemente, o resultado não será bom. É importante esclarecer também que não é possível se saber ainda qual o cenário mais provável, mas certamente estará entre os dois extremos, privilegiando os empregos e as vidas.


As previsões de perda no PIB brasileiro, de acordo com a UFRJ [1] está estimada entre 3,1% e 11%. O FMI prevê perda de 5,3% [2], voltando aos níveis de 2010. Já a estimativa de renda perdida deve variar entre 11% e 22% para a América Latina [3], sendo que o Brasil deve ser o país mais afetado de todos. Em breve, o dólar poderá ser negociado a R$ 6,00 (seis reais) enquanto o índice Bovespa despenca.


Com esses números, até no melhor cenário, a economia já era. Isso porque ela já deu ruim. Não tem como voltar ao normal. Deve se construir o “novo normal”.


Dessa forma, é necessário que se adote uma política econômica um pouco diferente da que está sendo almejada. A injeção de trilhões de reais em bancos privados para se fazer empréstimos a empresas e pessoas é inócua, pois como a renda brasileira cairá mais que o PIB, os empréstimos possuem alto risco de inadimplência – ou seja, o povo e as empresas não vão pagar. Consequentemente, todo esse dinheiro público ficará preso nos cofres das instituições financeiras – e esse é um grande desafio para o Banco Central.


A política econômica deve então ser baseada em aumento de renda, com intervenção estatal, a qual se faz agora muito necessária na economia para aumentar o nível de emprego e consequentemente, de consumo e do PIB. Porque do outro jeito, o nível de endividamento do consumidor não permitirá que o Brasil progrida. Os dados dos cadastros de devedores (Serasa, SPC e outros) mostram que o Brasil é um país de endividados e a situação só vai piorar, porque a renda vai sumir. A tomada de empréstimos se mostra uma solução inviável.


Mas como o Estado pode intervir na economia? Em que economia? A análise de cenários se faz cada vez mais necessária, mas não existe e a construção do novo normal fica prejudicada. 


É preciso se lembrar que o mundo não será mais o mesmo, pois o novo normal é diferente do velho. Dessa forma, a nova economia deve ter alto índice remotização das pessoas, com relações de trabalho mais flexíveis, educação à distância, compras online e delivery, serviços remotos e governo digital. Isso sim deve receber incentivo governamental, com amplas políticas públicas para fomentar a tecnologia e a inovação, inclusive em setores puramente presenciais como indústria, construção civil, agronegócios e logística.


Muitas empresas vão morrer, mas outras vão nascer (veja o exemplo das recém criadas  plataformas de lives, para fazer frente ao YouTube), umas vão cair, e algumas vão subir. Isso porque a economia mudou rapidamente e houve empresários que viram oportunidades na crise, enquanto outros não se adaptaram – muitos, por conta da natureza do seu negócio. É um rearranjo muitas vezes triste.


Mas cabe sempre ao Governo fornecer auxílio e precisa se estudar o que fomentar para poder crescer a economia dentro do novo normal. Apenas assim é possível fugir do dilema, só que com empregos e com vidas.

 

Referências

[1] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/05/05/estudo-de-economistas-da-ufrj-preve-no-pior-cenario-queda-de-11-no-pib.htm

[2] https://exame.abril.com.br/economia/coronavirus-pode-fazer-economia-do-pais-voltar-ao-nivel-de-2010/

[3] https://brasil.elpais.com/economia/2020-04-30/renda-na-america-latina-pode-sofrer-perda-acumulada-de-ate-22-por-causa-da-pandemia.html


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